segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Escravidão


Faz dias que eu penso sobre essa questão espiritual, sobre o propósito de todas as coisas que me aconteceram, as pessoas que conheci e tive relação mais próxima, tudo o que perdi, tudo o que ganhei, o quanto os acontecimentos foram me moldando e o quanto de mim foi sendo perdido por ai.
A verdade é que eu sinto como se nunca tivesse decidido absolutamente nada na minha vida, nunca foi propriamente dita uma escolha, eu tinha uma séria de situações ao meu redor, tinha a minha natureza impulsiva, decisões que precisavam ser tomadas, um pouco de coragem, muito medo e desespero e assim fui "ditando" o rumo da minha prosa, da minha vida.
Eu podia ser uma médica, uma advogada, uma psicóloga, mas comecei a trabalhar cedo, eu não tinha ainda pensado sobre profissão, eu não tinha base e nem orientação pra fazer uma escolha dessas, eu simplesmente comecei a trabalhar dentro de uma empresa e fazer administração estava dentro do meu contexto de vida, mas será que isso me fez desperdiçar um talento? uma missão divina? será que por ter me desviado de um caminho em função da necessidade e das circunstâncias foram me fazendo ser uma pessoa menos completa? eu me sinto frustrada com a minha vida profissional, ainda que muita gente me ache competente e capaz, me ache inteligente e com um talento diferenciado para resolver coisas e achar soluções, eu sinto que nada do que fiz foi bom o bastante, que o meu trabalho não tinha um proposito grandioso o suficiente pra justificar uma vida inteira de esforço, uma juventude perdida, eu trabalhei por que precisava viver, criar minha filha, pagar as contas, nunca foi por um ideal ou propósito maior, sempre foi apenas para sobreviver a um mundo que me exigia não só meu esforço e minha força de trabalho, me exigia minha alma, meu sangue.
Quantas vezes me submeti, me feri, me sufoquei, tive que baixar a cabeça, aceitar o não, fazer de conta que entendia decisões que eu sabia estarem sendo tomadas erroneamente, por que eu era soldado raso.
Viver dentro de uma empresa é ter que administrar vaidades, abuso de poder, traições, mentiras, falsos amigos, você se apequena para caber dentro do estereotipo que eles esperam de você, mãos e pés atados, apenas para cumprir a meta e o cronograma, sua vida? ninguém se interessa, ninguém nem nota, você é um número de matrícula e um salário mais encargos no fim do mês. Substituível! somos usados.
Agora eu me vejo aqui, logo quando pensei que havia me liberado de tudo isso, precisando voltar a trabalhar para cumprir as mesma obrigações que fizeram a minha vida ser como é, voltar a estar dentro de uma empresa e reviver todas as relações difíceis e nocivas que vivi por quase 30 anos da minha vida e não encontro motivação.
Não há nada lá que me faça achar que isso será bom pra mim, só o salário.
Sou uma vendida, fraca e incapaz... eu arrisquei e perdi, agora tenho que voltar o jogo ao começo, ensaiar um sorriso falso, esquecer de todas as feridas que carrego, ensaiar um olhar de poder, onde todos acreditem que eu sou mais do que sou de fato, que tenho mais do que tenho de fato... por que ninguém quer saber o quanto me esgotei, pra eu poder pagar as contas no fim do mês, voltarei a viver a mentira de todos os dias, sem saber quando isso tudo irá terminar.
Meu marido joga compulsivamente na megasena, ele não quer que eu volte, mas os boletos chegam, os sorteios nos dizem que não deu mais uma vez, e eu tenho que aceitar.
Escrava sou da minha própria vida, presa aos grilhões das obrigações, açoitada todos os dias pela insatisfação que carrego... e não serei livre, não em vida.

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