terça-feira, 26 de novembro de 2019

Foram 24 anos que se tornaram um pesadelo

Desde que decidi sair do meu trabalho para buscar um novo propósito profissional e, por que não dizer, de vida, fui tomada por uma certa melancolia, uma angustia ao fazer a retrospectiva dos 24 anos que me dediquei profissionalmente a uma empresa.

Foram anos repletos de períodos ruins e alguns muito bons, fiz amigos de verdade (poucos é verdade), muitos colegas, tive momentos de diversão, de construção, de conquistas, estudos e vitórias, mas também tive momentos péssimos, chefes que me humilharam, gerentes que tentaram me usar para ganhar vantagem, muitas e muitas vezes meu trabalho tinha seus louros desviados para outra pessoa, e nem sempre senti que meu potencial foi aproveitado, exceto pelos 10 anos que passei na área de informática, que foi quando a minha capacidade de correlacionar conhecimentos fez diferença, onde eu mostrei que tinha muito a oferecer e fiz coisas que pareciam impossíveis a uma pequena operária como eu, mas como em toda empresa onde a política e o networking vale mais do que a inteligência e capacidade técnica, esse tempo também passou.

Sai por que entendi que havia concluído um ciclo, e que os bons tempos não voltariam, e tentar reconstruir bons tempos numa época em que só valorizam os mais jovens e que tentam a todo custo expurgar os mais antigos como se fossemos uma praga que enfeia o jardim, não valia a pena, preferi me retirar com elegância.

Teria sido bom, maravilhoso, se não fosse a tortura de vez por outra sonhar que estou trabalhando lá, um dia de trabalho comum, os corredores, as pessoas, as maquiavélicas relações, os sorrisos falsos para manter as aparências, as guerras de vaidade, e então eu acordo pesada, angustiada, como se eu tivesse tido o pior dos pesadelos, coração acelerado, sensação de MEDO, como se eu estivesse correndo perigo.

Como é que um lugar onde você entrou jovem, construiu uma vida, criou seus filhos, fez amigos se torna um pesadelo em sua vida?

Que raio de ambiente é esse que com o passar do tempo vai te levando a síndrome do pânico, labirintite, enfarto e até morte, como eu vi muitos amigos adoecerem e até morrerem? Quantos casos de câncer foram presenciados naquele lugar?

Por detrás de todo aquele envoltório de perfeição, programas de qualidade de vida, Rh atuante, havia sempre uma aura de maldade por todo lado, a vaidade consumia as pessoas, os interesses, as politicagens sujas, os desvios de recurso, sempre havia algo de errado acontecendo nos bastidores e eu sentia, absorvia, me fazia mal tudo aquilo, não conseguia me adaptar, foram 24 anos em que me senti deslocada, inadequada, minha franqueza e verdade sempre me rotulou de pessoa com temperamento difícil e assim era mais fácil ver que eu não entrava no esquema, por isso não era apta a subir de postos ou fazer parte das grandes rodas, meu trabalho e minha capacidade operacional, estratégica era sempre colocada em segundo plano.

Pagou minhas contas, mas não foi de graça, nem foi favor, eu trabalhei lá de verdade, não empurrei com a barriga, não fui pelo caminho fácil, eu trabalhei de verdade.

Não sou grata a empresa, sou a algumas pessoas, poucas, que conto nos dedos.

O resto? é pesadelo, que eu peço a Deus um dia esquecer e nunca mais sentir esse pânico que se transformou a memória de mais de metade da minha vida.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Caminho Inverso

Enquanto olho no maço de cigarro a informação que o Ministério da Saúde me dá quanto ao uso do cigarro, pensei, sim ele mata, mas tudo mata.
O carro que está estacionado lá nas margens da calçada, e que tanto meu ajuda, me leva, me traz, me protege da chuva, me dá conforto, um dia qualquer, numa rodovia qualquer, pode ser o caminho para a minha morte, por que ele também mata.
Os amores que hoje consomem meus dias, meus filhos, fonte de toda inspiração de viver, um dia, se me deixarem antes do tempo, irão me matar, não por culpa deles, mas por que morte é inevitável, a certeza máxima que temos, e que mesmo atravessando séculos e séculos, nunca estamos preparados, melhor é viver sem pensar, fazer o que sentir vontade e prazer, buscar a alegria, por que se formos parar pra pensar...
O alimento te sustenta mas te mata, seja por colesterol, triglicerídeos, diabetes e tantas outras...
A bebida que hoje você brinda, também pode te matar, na loucura da embriaguez, na fragilidade do seu fígado, mas mata.
O ar tão necessário, nos enfraquece, poluição, toxinas... morremos lentamente.
Não me venha falar do quanto o ser humano com suas tecnologias, ganancia, exageros, maldade, tem estragado todas as coisas, por que isso não me importa, o fato é que eu, que nada fiz, estou aqui, morrendo todos os dias, como você.
No caminho inverso que decidi fazer, corri pra frente o mais que pude pra parar e voltar, lentamente, revendo os passos.
Meu caminho espiritual não foi feito em Santiago no Chile, nem na India num templo budista, eu me voltei pra dentro de mim, fui visitando dores, amores, passagens, desafios, dificuldades, desamores, favores, presentes, perdas, quedas, uma a uma, sentindo as dores, lembrando de pessoas, sentindo gratidão por alguns e deixando a raiva que existia de outros tomarem forma como a chama da vela, que arde até ela se acabar, limpando por dentro, definindo claramente o que passou, o que curou, o que acertou, o que nunca terá solução ou perdão, e aceitando isso também, por que me entendi frágil e sozinha.
Me encontro no meio termo entre ser o que sou e o que fui, sem saber o que serei.
Nem espiritual somente, nem mística, por que espero uma mágica, um encontro.
Nem só mãe, nem mulher, estou cansada de servir todo o tempo, quero apenas ser.
Não quero ser mais obrigada a nada, quero caminhar livremente, até enjoar, até cansar e depois poder mudar tudo, como um pé de vento, que revira tudo ao redor.
Deixei meus cabelos brancos surgirem livremente, aceitei o envelhecer, mas não aceito meu corpo ainda, preciso achar um jeito de deixar de acumular, sempre fui acumuladora, silenciosa, de sentimentos e pensamentos, ninguém via, ninguém notava, ninguém se interessava, mas tudo estava lá, sempre esteve lá.
Sinto que a hora de partir não está longe, mas não sei se essa morte tal qual a carta do baralho é tão somente uma mudança ou o fim de uma jornada. Mas sinto a revolução acontecer.
Estou só
sinto que por mais que tente explicar não conseguirei.
Preciso encontrar um lugar que me proporcione o tal encontro, antes que seja tarde e eu perca o tempo de todas as coisas.
A lagarta precisa morrer, a metamorfose começou...