terça-feira, 12 de novembro de 2019

Caminho Inverso

Enquanto olho no maço de cigarro a informação que o Ministério da Saúde me dá quanto ao uso do cigarro, pensei, sim ele mata, mas tudo mata.
O carro que está estacionado lá nas margens da calçada, e que tanto meu ajuda, me leva, me traz, me protege da chuva, me dá conforto, um dia qualquer, numa rodovia qualquer, pode ser o caminho para a minha morte, por que ele também mata.
Os amores que hoje consomem meus dias, meus filhos, fonte de toda inspiração de viver, um dia, se me deixarem antes do tempo, irão me matar, não por culpa deles, mas por que morte é inevitável, a certeza máxima que temos, e que mesmo atravessando séculos e séculos, nunca estamos preparados, melhor é viver sem pensar, fazer o que sentir vontade e prazer, buscar a alegria, por que se formos parar pra pensar...
O alimento te sustenta mas te mata, seja por colesterol, triglicerídeos, diabetes e tantas outras...
A bebida que hoje você brinda, também pode te matar, na loucura da embriaguez, na fragilidade do seu fígado, mas mata.
O ar tão necessário, nos enfraquece, poluição, toxinas... morremos lentamente.
Não me venha falar do quanto o ser humano com suas tecnologias, ganancia, exageros, maldade, tem estragado todas as coisas, por que isso não me importa, o fato é que eu, que nada fiz, estou aqui, morrendo todos os dias, como você.
No caminho inverso que decidi fazer, corri pra frente o mais que pude pra parar e voltar, lentamente, revendo os passos.
Meu caminho espiritual não foi feito em Santiago no Chile, nem na India num templo budista, eu me voltei pra dentro de mim, fui visitando dores, amores, passagens, desafios, dificuldades, desamores, favores, presentes, perdas, quedas, uma a uma, sentindo as dores, lembrando de pessoas, sentindo gratidão por alguns e deixando a raiva que existia de outros tomarem forma como a chama da vela, que arde até ela se acabar, limpando por dentro, definindo claramente o que passou, o que curou, o que acertou, o que nunca terá solução ou perdão, e aceitando isso também, por que me entendi frágil e sozinha.
Me encontro no meio termo entre ser o que sou e o que fui, sem saber o que serei.
Nem espiritual somente, nem mística, por que espero uma mágica, um encontro.
Nem só mãe, nem mulher, estou cansada de servir todo o tempo, quero apenas ser.
Não quero ser mais obrigada a nada, quero caminhar livremente, até enjoar, até cansar e depois poder mudar tudo, como um pé de vento, que revira tudo ao redor.
Deixei meus cabelos brancos surgirem livremente, aceitei o envelhecer, mas não aceito meu corpo ainda, preciso achar um jeito de deixar de acumular, sempre fui acumuladora, silenciosa, de sentimentos e pensamentos, ninguém via, ninguém notava, ninguém se interessava, mas tudo estava lá, sempre esteve lá.
Sinto que a hora de partir não está longe, mas não sei se essa morte tal qual a carta do baralho é tão somente uma mudança ou o fim de uma jornada. Mas sinto a revolução acontecer.
Estou só
sinto que por mais que tente explicar não conseguirei.
Preciso encontrar um lugar que me proporcione o tal encontro, antes que seja tarde e eu perca o tempo de todas as coisas.
A lagarta precisa morrer, a metamorfose começou...

Nenhum comentário:

Postar um comentário